A sátira social de Gregório de Matos
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MOMENTO HISTÓRICO
O século XVII europeu constitui época conturbada devido a uma
forte crise espiritual: de um lado, o racionalismo (Descartes, Newton, Leibnitz
e Pascal) e de outro, a Contrarreforma, concretizado pela Inquisição e pelo
aparato de dominação ideológico-religioso, utilizado nas Colônias pela
Península Ibérica. Daí o conflito entre o absolutismo contra reformista dos
domínios da Casa da Áustria e o modus vivendi reformista e burguês
característico da República das Províncias Unidas dos Países Baixos. A ambivalência
seiscentista estruturou-se em dois polos: um demarcado pela submissão ao
autoritarismo da fé e do poder político e o outro, pelos precursores ensaios de
uma interpretação mecanicista e científica cartesiana de um Deus __ não mais
transcendência voluntarista, mas, apenas, garantia do equilíbrio universal de
imutáveis leis científicas. Em Portugal, a desintegração da União Ibérica (1580
- 1640), sob a égide da restauração da Dinastia dos Bragança, com D. João IV
(1640 - 1656), desencadeia o fortalecimento da burguesia urbana em função do
comércio de produtos brasileiros. O dinheiro burguês e as alianças diplomáticas
e militares com a Holanda, a Inglaterra e a França sustentaram a guerra da
independência frente à Espanha expandindo uma nova mentalidade comprometida
com fatores de ordem extra religiosa e afastamento da influência castelhana que vão caracterizar os rumos da cultura
portuguesa, na época e a emergência de uma visão de mundo que promoveu a multiplicação
dos folhetos polêmicos e satíricos, antes e depois da Restauração, e o
aparecimento dos jornais mensais como, por exemplo, o Mercúrio Português (1663
- 1667).No entanto, apesar da “maré” renovadora, as ordens religiosas,
especialmente a Companhia de Jesus e a Inquisição, vão manter a condução da
vida sociocultural e dos negócios do Estado. A Universidade de Coimbra até a segunda
metade do séc. XVII, reproduziu ensino eminentemente escolástico e formalista,
inteiramente divorciado dos avanços científicos e filosóficos, marcantes na Europa.
No Brasil, até 1654 (assinatura pelas autoridades holandesas da sua rendição, a
Capitulação da Campina do Taborda), os efeitos da União Ibérica fazem-se sentir
pela constante presença invasora de estrangeiros, hostis aos interesses da
dominação social espanhola. A disputa hispano-holandesa, agravada pela
intervenção da França e da Inglaterra, visa, sobretudo, à queda do monopólio
comercial luso-espanhol. Durante o século XVII, o expansionismo holandês,
financiado e dirigido pela Companhia das Índias Ocidentais, sobressai-se não só
pela quantidade das arremetidas militares, como também pela longevidade, da
dominação conseguida. Além da ocupação de Pernambuco (1630 - 1654), os
holandeses, desde 1624-25, realizam sucessivas investidas contra Salvador,
ocasionando constantes perturbações na vida socioeconômica da cidade, tanto
pelo constante clima de tensão e violência, quanto pela desorganização dos meios
de produção, resultante da destruição de inúmeros engenhos de cana e da
insegurança dos transportes e do comércio, por via marítima. A partir da
restauração portuguesa, a administração colonial passa a ser controlada pelo
Conselho Ultramarino (1642) - destinado a liberar sobre “todas as matérias e
negócios de qualquer qualidade que forem tocando aos ditos Estados da Índia,
Brasil” __ como também pela Companhia Geral do Comércio do Estado do Brasil
(1649), ambas as medidas da iniciativa de D. João IV. No final do século XVII,
passam a ocorrer, no Brasil, vários levantes contra o estado português. São os
chamados “movimentos nativistas” que, embora não vissem a um projeto de
separação política de Portugal, propõem reformas setoriais no sistema colonial.
A revolta de Beckman (1684-85), foi uma das conspirações seiscentistas que
confirmaram o caráter regional destes distúrbios e sua principal motivação: o
conflito entre produtores (senhores de engenho) e comerciantes (burguesia
mercantil) em torno das práticas do monopólio comercial que possibilita a seus
agentes amplos privilégios no contexto da dominação portuguesa, mescla, no
convívio dissonante entre a o colonizador, os negros/africanos, povos indígenas.
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Triste Bahia
Triste Bahia! Ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.
A ti trocou-te a
máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando, e tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando, e tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.
Deste em dar tanto
açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.
Oh se quisera Deus
que de repente
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!
Descreve o
que era naquele tempo a cidade da Bahia
Gregório de Matos
BOSI, Alfredo.História concisa da Literatura Brasileira.São Paulo: Editora Cultrix, 1994.
BOSI, Alfredo.História concisa da Literatura Brasileira.São Paulo: Editora Cultrix, 1994.
Pergunta-se: de que forma nos poemas Triste Bahia e Descreve o que
era naquele tempo a cidade da Bahia, Gregório de Matos estrutura os jogos
sonoros, as rimas burlescas, as antíteses como veículo de sátira, sons
imitativos, metáforas, hipérbatos e outras modalidades conceptistas e cultistas
próprias da escrita barroca.